O LIVRO DE RAZIEL OU LIVRO DOS SIGNOS DE ADÃO
Olá pessoal! Nesse post vou apresentar alguns conceitos sobre o que se acredita ser o chamado "Livro de Raziel" e ás vezes chamado de "Livro dos Signos" ou "Livro dos Signos de Adão" (nesse caso "signos" não se refere aos signos zodiacais, as constelações, mas a "símbolos" em geral).
A ideia básica sobre esse livro é que após ser expulso do paraíso por ter comido do fruto proibido, Adão perdeu muito da soberania que ele tinha sobre os seres espirituais e os animais, ele perdeu seus atributos especiais e se tornou limitado e vulnerável á influencias externas negativas além de ter que cultivar a terra para conseguir seu alimento. Ele orou a Deus pedindo misericórdia e como resposta Deus enviou o anjo Raziel (cujo nome significa "segredo de Deus") que transmitiu a Adão os conhecimentos que Adão sintetizou nesse Livro de Raziel, conhecimentos que lhe permitiam se proteger da influencia negativa dos seres espirituais e ainda fazer outras coisas mais, seria esse livro a base de todo conhecimento oculto dos judeus e de toda geração humana após Adão. Existe de fato ainda hoje um grimório chamado "Livro de Raziel" datado da Idade Média e muito provavelmente obra de rabinos cabalistas, mencionei ele superficialmente em outro post desse mesmo blog chamado "OS GRIMÓRIOS" recomendo darem uma olhada para ter noção sobre o que é um livro tipo grimório.
Em seu livro "Magia Oriental" no qual Idries Shah faz uma explanação geral sobre o conhecimento oculto de vários povos, no capítulo dedicado a magia judaica ele menciona esse livro, veja o trecho:
"Segundo os samaritanos, todo ensinamento mágico deriva de um livro: o Livro dos Signos, do qual Adão trouxe consigo, do paraíso, uma cópia para lhe dar poder sobre os elementos e as coisas invisíveis. Como o Livro de Raziel essa obra ainda existe, se é que de fato é o mesmo livro.
Raziel, que quer dizer segredo de Deus, é tomado como o real transmissor de segredos. Seu livro diz ter vindo de Adão. Em outro ponto, o leitor é informado de que foi confiado a Noé, pouco antes de entrar na arca. Como muitos outros textos mágicos, traça a sua história desde Salomão, filho de Davi, gigante entre os milagrosos. A pesquisa bibliográfica conseguiu traçar muito pouco da história do Livro de Raziel. Contendo grande número de figuras mágicas, sinais e instruções para fazer talismãs, ele afirma ter sido originalmente gravado num tablete de safira, apesar de só existirem cópias recentes disponíveis ao estudo."
O conteúdo desse Livro de Raziel disponível atualmente é muito bom, uma versão em português foi traduzida pelo cabalista Yair Alon. Yair diz que existem várias versões. Como quase todo grimório, possui um prefácio como uma "história iniciática" contando a queda de Adão e como Raziel foi enviado para lhe transmitir esses segredos. Há um conceito de angelologia, e instrução sobre como devem ser feito os talismãs para múltiplas finalidades (também chamados "pantáculos" figuras preparadas para ajudar a atingir certos objetivos). As bases de como preparar esses talismãs são praticamente as mesmas com algumas variações usadas pelos cabalistas judeus especializados em gravar esses tipos de figuras até hoje. Há também um "quadrado mágico" com letras hebraicas mas sem explicações. "Quadrados mágicos", comuns na tradição oculta árabe e presentes em vários outros grimórios estão presentes e tem papel de destaque em todo "sistema Enoquiano" que foi transmitido a John Dee por certas entidades (deem uma olhada no post desse mesmo blog intitulado "OCULTISTAS NOTÁVEIS-2"). Voltarei ao Dee mais adiante. Uma imagem de uma página do atual Livro de Raziel:
A criação do ser humano como um ser de corpo físico e essência espiritual não foi bem aceita por vários anjos no princípio, eles achavam que o homem estava recebendo benefícios demais sem merecer e que era inferior á eles criados primeiro e de espírito puro (mais especificamente de "luz" como relata o Alcorão). Mas Adão tinha um certo "poder especial" que era próprio dele e de toda a humanidade: o poder de dar nome ás coisas. Pode parecer bobagem ou sem sentido, mas essa é uma habilidade muito especial, o "nome" que Adão deu aos animais e ás coisas é a essência delas e por isso ele teve poder sobre tudo pois quem conhece o verdadeiro nome/essência da coisa a domina, a comanda para tudo e usa suas virtudes. Trata-se do poder da palavra, e o idioma que Adão falava era o idioma base que se perdeu depois que ele foi expulso do paraíso, línguas como o hebraico, árabe e várias outras contém resquícios desse idioma primordial. O Talmud em certo ponto dedica um especial interesse em palavras perdidas do hebraico citando a "criada de Rashi" (empregada) que conhecia algumas dessas palavras pois cresceu falando uma forma de hebraico mais "pura" não diluída com outros dialetos estrangeiros. O poder da palavra é fonte de interesse de muitos grandes iniciados que buscam aprender vários idiomas especialmente os clássicos, não para colocar em seus currículos profissionais (embora seja uma boa vantagem) mas para sondar a essência e o poder da palavra, há palavras que expressam um significado muito específico e que só existem em um idioma além de ter uma entoação específica. Na demonologia em geral é o nome o que os demônios ocultam, se o exorcista não souber o nome do espírito não pode fazer nada.
Na Bíblia há o relato de quando após Deus ter criado todas as coisas e o primeiro homem Adão, as apresentou á Adão para ele dizer como elas deveriam ser chamadas. Gênesis cap. 2 versículos 19 a 20:
"Tendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais dos campos, e todas as aves do céu, levou-os ao homem, para ver como ele os havia de chamar; e todo nome o nome que o homem pôs aos animais vivos, esse é o seu verdadeiro nome. O homem pôs nomes a todos os animais, a todas as aves do céu e a todos os animais do campo; mas não se achava para ele uma auxiliar que lhe fosse adequada."
A princípio pode parecer que Deus trouxe os animais ao homem que lhes deu seus nomes apenas como um meio de entretenimento, mas como a tradição afirma, isso tem um profundo significado. Uma das armadilhas da leitura leviana da Bíblia é que o leitor costuma ser desviado das partes mais importantes porque pensa que não tem significado algum, mas é fora da Bíblia nas tradições orais e nos conhecimentos que os cabalistas guardam que existe a interpretação adequada. Essa habilidade de dar nome ás coisas os anjos não tinham, na verdade eles nem mesmo tem nomes próprios, eles são criados sem nomes, o nome que cada um recebe depois é relacionado a função que ele exerce, o nome de cada anjo já contém sua função a missão para a qual foi criado, o que ele vai fazer é o que define como deve ser chamado.
O Alcorão relata como Deus resolveu criar o homem, os anjos já sabiam que ele causaria pertubações sobre a terra e Deus mostrou a habilidade de Adão de dar nome ás coisas, habilidade que os anjos não possuem. Alcorão cap. 2 versículos 30 a 33:
"Quando Deus disse aos anjos: 'Vou designar um chefe sobre todas as coisas na terra'. Replicaram: 'Estabelecerás alguém que irá introduzir a desordem e derramar sangue, enquanto nós cantamos louvores a Ti e glorificamos Teu nome?'. Respondeu: 'Eu sei o que vós ignorais.'
Ensinou a Adão os nomes de todas as coisas e seres. Depois, apresentou as coisas e os seres aos anjos dizendo-lhes: 'Indicai-lhes os seus nomes se o sabeis.'
Disseram: 'Louvado sejas! Não possuímos mais conhecimentos além do que nos proporcionastes. A Ti pertencem o conhecimento e a sabedoria.'
Ordenou depois a Adão: 'Revelas-lhe tu os seus nomes'. E quando ele lhes mostrou os nomes, Deus disse: 'Não vos disse que conheço os mistérios do céu e da terra e tudo que manifestais e o que ocultais?'"
O texto do Livro de Raziel não relata que o anjo Raziel deu a Adão um livro físico o qual ele pudesse tocar, mas sim instruiu ele oralmente ocasionalmente desenhando certos símbolos no chão. Adão compreendeu esses ensinamentos e os gravou, segundo o texto, em uma barra de safira, esse era o livro original. Esse é mais um detalhe altamente simbólico, porque ele gravou o livro em uma barra de safira? A safira tem um significado especial, na tradição é dito que vários artefatos especiais foram feitos de safira. Uma tradição diz que o cajado de Moisés era todo feito de safira ou tinha safira encrustado. Também é dito que a tábua contendo os dez mandamentos era de safira. O conhecimento desse livro era muito pesado e as coisas não o podiam suportar nem o livro físico nem sua recitação, veja um trecho do livro "As Lendas do Povo Judeu" de Bin Gorion:
"Aprofundou-se no espírito da sabedoria e compreendeu as palavras de ouro do livro . Depois colocou o livro na cavidade de um rochedo a oriente do Jardim do Éden, pois a terra não era capaz de suportar o seu impacto . Sempre que Adão pegava no livro para ler a terra estremecia e balançava como um navio sobre a água. Se recitava diante de uma montanha, esta derretia-se como cera. (...)Descobriu os segredos das horas e dos minutos, assim como o número de todos os dias. Aprendeu o ensinamento das épocas e dos jubileus até o final dos tempos."
Segundo a tradição, Adão mostrou esse livro a seu filho Set ensinando-o. Set compreendeu e guardou o livro fazendo uma arca de ouro para ele. O patriarca transmitia o livro a seu filho e assim por diante, até ter chegado a Noé que o trouxe para dentro da arca. Após o dilúvio, Sem foi o filho de Noé mais chegado aos conhecimentos ocultos e recebeu instrução. No tempo de Abraão, Sem ainda estava vivo e Abraão foi ter com ele para estudar, dessa maneira conhecimento oculto tem sido transmitido e mantido pelos patriarcas e guardado pelos judeus.
Retomando ao John Dee (1527-1609) ele recebeu das entidades com as quais teve contato um amplo sistema de magia. Durante uma sessão na qual Edward Kelley servia como intermediário do outro lado estava quem afirmava ser o arcanjo Uriel. Dee perguntou: "-Meu Livro de Soyga é de alguma excelência?", Uriel respondeu: "-Esse livro foi dado a Adão no Paraíso, revelado pelos anjos do bem. Dee pede instruções a respeito: "-Você pode me dar instruções, como posso ler essas tabelas de Soyga?", Uriel responde: "-Somente o arcanjo Miguel tem autorização para explicar seu conteúdo." Uriel também diz que se Dee conhecer seu conteúdo poderá morrer dentro de dois anos e meio. Assim, o Livro de Soyga permaneceu guardado na biblioteca de Dee, depois foi parar em outra biblioteca britânica por séculos junto a outros livros e manuscritos. Nos anos 90 uma historiadora pesquisando sobre Dee se perguntou se o tal livro ainda existia, e ele ainda estava lá sob o nome de Aldaraia. Em 2006 o matemático James A. Reeds desvendou o código por trás das tabelas do Livro de Soyga, trata-se de um sistema no qual se coloca uma palavra verticalmente na tabela de 36x36 quadrinhos e seguindo um método pré-determinado de sequência de letras do alfabeto comum se define quais serão as letras certas que irão preencher toda tabela. O resultado costuma ser uma tabela repleta de letras aparentemente sem sentido. Imagem de uma tabela e o sistema usado para se definir quais letras devem entrar:
O livro começa com uma "história iniciática" onde um interessado busca conhecimento oculto viajando para vários lugares e termina com as tabelas, 24 delas relacionadas aos signos zodiacais duas pra cada, e parcialmente preenchidas. Então esse era o "Livro de Raziel" dado a Adão contendo a base de todo conhecimento oculto? Não, mais provavelmente era uma obra de um rabino cabalista, e Dee tinha vários livros com conteúdo semelhante e talvez ainda mais estranhos na sua biblioteca. Mas é provável que alguma coisa dessa estrutura seja coerente com o "verdadeiro" Livro de Raziel. Tomando por base o Livro de Soyga e o Livro de Raziel atual, temos instruções relativas a nomes de anjos/chave, instruções para a fabricação de pantáculos (figuras com propósitos específicos) e um método de extrair outras palavras de apenas uma. Muito do Sistema Enoquiano que foi dado a Dee se baseava na extração de nomes de espíritos através de tabelas contendo letras e números e ás vezes uma combinação de letras e números juntos. Quando se verifica o método como o Sigilo Dei Aemeth (que fica no centro da tábua sagrada sob o qual se coloca a bola de cristal para o médium ver coisas do outro lado) foi composto, símbolo por símbolo, cada símbolo quer seja um sigilo específico, uma letra ou número representando um espírito segue um padrão e tabelas de onde são extraídos. Para se dominar totalmente o Sistema Enoquiano deve-se memorizar as "letras enoquianas" (principalmente o significado arcano de cada uma e os atributos de cada uma, coisa que Dee não fez) e o "idioma Enoquiano" visto nos Aéteres (tipos de poemas compostos nesse idioma). Eu costumo fazer um paralelo do Sistema Enoquiano com o Alcorão, ele foi revelado a Maomé aos poucos, capítulo por capítulo e Maomé o memorizou e soube recitá-lo o que causava espanto de muitos de sua época porque ele era analfabeto e esse era um livro erudito, acusavam ele de o estar inventando da sua própria cabeça ou outro de o estar compondo-o para ele recitar, Maomé nunca foi visto escrevendo nada com as próprias mãos, nem sabia ler, quando precisava ditava para seu secretário. Dee por outro lado era um homem muito bem instruído, um professor matemático que dava aulas em universidade, se pudesse dominar as letras que lhe foram dadas melhor, mas não o fez. Com isso não quero dizer que o idioma Enoquiano seja a "língua primordial" falada por Adão, mas que era o dialeto que colocava em contato com um grupo muito específico de entidades, era delas, pertencia a elas, era como deveria soar a nossos ouvidos aqui no plano físico. A entidade que fez o primeiro contato com Maomé na caverna de Hira mostrou á ele um pergaminho escrito e Maomé não sabia ler, mas foi lhe dado o poder da fala e ele passou a recitar o Alcorão a base de toda religião muçulmana. Alguns capítulos do Alcorão contém uma ou mais letras no cabeçalho, especula-se muito o significado dessas letras mas é pouco provável que fizesse parte do Alcorão original, é mais provável que tenham sido colocadas pelos escribas que organizaram o Alcorão escrito anos após a morte de Maomé (e embora eu acredite que a base do Alcorão atual seja quase a mesma dada a Maomé, não se pode descartar a possibilidade de que esses escribas tenham tirado algumas coisas, acrescentado outras e modificado o Alcorão verdadeiro, mesmo assim ele parece mais "inteiro" do que a Bíblia e os Evangelhos bastante editados).
Concluindo, ainda existe o verdadeiro Livro de Raziel? Talvez, mas dado a importância e o peso desse livro não é algo que ficaria dando sopa por aí, alguém ou alguma organização o ocultam ou talvez nem mesmo esteja aqui em nosso plano físico. Quando se trata de "artefatos místicos" verdadeiros cria-se toda uma mitologia em torno deles deixando um rastro de buscadores sonhadores e mortos pelo caminho. Seu conteúdo verdadeiro devia dar ao leitor o domínio dos símbolos (entendido em um sentido bem amplo) e o domínio da palavra.
Blog dedicado a divulgação das obras e pesquisas relacionadas a ocultismo de Ricardo Dias de Oliveira
domingo, 1 de dezembro de 2019
domingo, 1 de setembro de 2019
OCULTISTAS NOTÁVEIS-10
Olá pessoal! Nesse post vou falar um pouco sobre o tão difamado "Conde de Cagliostro".
Falei de modo resumido sobre ele no meu livro "Análise Sobre Mitos e o Oculto"(link á direita do blog). Ele andou por várias partes da Europa no séc. XVIII, uma época marcada por outros aventureiros como o sedutor Casanova e o famoso Conde de Saint Germain, alquimista/imortal. Muitas fontes ainda retratam Cagliostro como um charlatão, um enganador com alguma ligação com a maçonaria que ludibriou a muitos em suas andanças. Afirma-se até mesmo que era italiano, um aprendiz de farmacêutico que se autoproclamou alquimista (muito comum no passado ajudantes de farmacêuticos se aventurarem na alquimia, vide Edward Kelley, assistente de John Dee). Mas tanto sua nacionalidade quanto ordens as quais estava filiado são duvidosas, uma investigação mais profunda revela algo diferente do que é popularmente divulgado.
O melhor trabalho de fonte é o livro "Cagliostro, O Grande Mestre do Oculto" de Marc Haven(Marc-Enri Emmanuel Lalande 1868-1926) lançado aqui pela Madras Editora. Ele era de estatura mediana, pele clara, olhos negros sempre vivos, cabelos penteados para trás e costumava usar uma camisa aberta branca simples do estilo da época. Se apresentava com o título de Conde de Cagliostro, e nome de Giuseppe Bálsamo, falava na sua conversação diária o italiano e o francês, ás vezes uma mistura de italiano e francês. Busto representando ele:
Embora passasse como italiano, os que o ouviram falar o português de Portugal afirmam que essa era a língua que ele melhor falava, portanto, sugere-se que sua verdadeira nacionalidade seja de Portugal embora o próprio ocultasse isso. Foi casado com Serafina Feliciani, uma mulher tímida e discreta que acompanhou Cagliostro em suas andanças. Sua primeira aparição pública foi em Londres ano 1776 onde alugou um apartamento. Embora ninguém soubesse de onde vinha sua renda, sempre tinha o suficiente para viver bem e até se hospedar em hotéis caros. Se espalhou a notícia que eram um casal de ricos caridosos. Sugeriu a um pobre os números para apostar na loteria, ele ganhou! Sempre acertava os números. Quiseram roubar seu caderno onde fazia os cálculos mas nunca puderam compreende-lo e também uma caixinha com seu "pó de projeção" que ele se recusava a dar. Saiu de lá decepcionado. Em 1780 chega a São Petersburgo já adentrando os círculos maçônicos. A imperatriz Catarina II a princípio foi grande apoiadora de tudo que fosse maçônico ou esotérico, depois se tornou enfadada disso. Em Varsóvia na Polônia encontrou um nobre grande entusiasta da alquimia e até transformou parte de sua casa em laboratório, realizou uma transmutação ele mesmo na frente de todos, mas almas simplórias não o compreenderam. Em 1882 chega em Estrasburgo cidade da fronteira entre França e Alemanha. Suas curas nessa cidade chamaram muito atenção. Ele não cobrava nada aos doentes e até dava o dinheiro e receita quando precisavam ir a farmácia. Os médicos oficiais foram seus grandes adversários (assim como do alquimista Paracelso). Chegou em Lyon na França em 1784. Lá quis estabelecer um novo rito na maçonaria o "Rito Egípcio", chegou a enviar um documento oficial solicitando, mas, tal ordem é pouco afeita á inovações. Mesmo assim ele fundou sua própria loja maçônica. Uma golpista madame de la Motte envolveu seu amigo o cardeal Roham em uma alta dívida por um colar de diamantes que seria supostamente dado a Maria Antonieta. Quando o caso veio á público Cagliostro foi preso na Bastilha. O caso foi resolvido e ele inocentado. Teve um retorno a Londres mas tão pouco proveitoso quanto sua primeira estadia. Rumou para Suíça, depois chegou em 1789 em Roma. A Inquisição não tardou a pegá-lo e em 1791 foi executado (embora haja quem alimente especulações de que foi uma morte forjada). Antes disso, emissários foram até ele na prisão onde ele falou em árabe.
A maioria dos relatos sobre Cagliostro são de escritos de seus inimigos, jornalistas sensacionalistas, interessados no oculto decepcionados, gente que não conseguiu extorqui-lo. Sua relação com o Conde de Saint Germain é especulada, há quem afirme que nunca houve essa relação, outros como Vitor Manuel Adrião em seu livro "As Forças Secretas da Civilização" publicado aqui pela Madras afirma que Cagliostro estava a serviço de Saint Germain e que sua missão foi salvar o delfim da França antes da Revolução. Afinal o que ele queria em suas andanças? Embora fosse maçom ele não parecia estar seguindo qualquer diretriz da ordem. Quando chegava na cidade ele mandava sua esposa preparar a mesa para receber qualquer pessoa que necessitasse, estava á disposição dos pobres e doentes desde a manhã até a noite, nunca cobrando nada, comia em pé e rapidamente. Aos interessados no oculto se dispunha a discutir tais assuntos e até a ensinar embora nunca encontrasse mentes preparadas. Por todas essas características tudo leva a crer que ele foi um membro da ordem Sufi e que era a serviço dessa ordem que ele agiu daquela forma (para entender sobre o sufismo recomendo meu outro post desse mesmo blog intitulado "O QUE É O SUFISMO?". Um adepto português sufi que assumiu uma identidade fictícia para cumprir a designação de seus mestres quer seja introduzindo algo novo na maçonaria, ensinando o oculto aos interessados ou fazendo obras de caridade. Apesar de quase nunca escrever, Cagliostro possuía um selo pessoal que talvez os filiados a seu grupo o reconheçam:
Olá pessoal! Nesse post vou falar um pouco sobre o tão difamado "Conde de Cagliostro".
Falei de modo resumido sobre ele no meu livro "Análise Sobre Mitos e o Oculto"(link á direita do blog). Ele andou por várias partes da Europa no séc. XVIII, uma época marcada por outros aventureiros como o sedutor Casanova e o famoso Conde de Saint Germain, alquimista/imortal. Muitas fontes ainda retratam Cagliostro como um charlatão, um enganador com alguma ligação com a maçonaria que ludibriou a muitos em suas andanças. Afirma-se até mesmo que era italiano, um aprendiz de farmacêutico que se autoproclamou alquimista (muito comum no passado ajudantes de farmacêuticos se aventurarem na alquimia, vide Edward Kelley, assistente de John Dee). Mas tanto sua nacionalidade quanto ordens as quais estava filiado são duvidosas, uma investigação mais profunda revela algo diferente do que é popularmente divulgado.
O melhor trabalho de fonte é o livro "Cagliostro, O Grande Mestre do Oculto" de Marc Haven(Marc-Enri Emmanuel Lalande 1868-1926) lançado aqui pela Madras Editora. Ele era de estatura mediana, pele clara, olhos negros sempre vivos, cabelos penteados para trás e costumava usar uma camisa aberta branca simples do estilo da época. Se apresentava com o título de Conde de Cagliostro, e nome de Giuseppe Bálsamo, falava na sua conversação diária o italiano e o francês, ás vezes uma mistura de italiano e francês. Busto representando ele:
Embora passasse como italiano, os que o ouviram falar o português de Portugal afirmam que essa era a língua que ele melhor falava, portanto, sugere-se que sua verdadeira nacionalidade seja de Portugal embora o próprio ocultasse isso. Foi casado com Serafina Feliciani, uma mulher tímida e discreta que acompanhou Cagliostro em suas andanças. Sua primeira aparição pública foi em Londres ano 1776 onde alugou um apartamento. Embora ninguém soubesse de onde vinha sua renda, sempre tinha o suficiente para viver bem e até se hospedar em hotéis caros. Se espalhou a notícia que eram um casal de ricos caridosos. Sugeriu a um pobre os números para apostar na loteria, ele ganhou! Sempre acertava os números. Quiseram roubar seu caderno onde fazia os cálculos mas nunca puderam compreende-lo e também uma caixinha com seu "pó de projeção" que ele se recusava a dar. Saiu de lá decepcionado. Em 1780 chega a São Petersburgo já adentrando os círculos maçônicos. A imperatriz Catarina II a princípio foi grande apoiadora de tudo que fosse maçônico ou esotérico, depois se tornou enfadada disso. Em Varsóvia na Polônia encontrou um nobre grande entusiasta da alquimia e até transformou parte de sua casa em laboratório, realizou uma transmutação ele mesmo na frente de todos, mas almas simplórias não o compreenderam. Em 1882 chega em Estrasburgo cidade da fronteira entre França e Alemanha. Suas curas nessa cidade chamaram muito atenção. Ele não cobrava nada aos doentes e até dava o dinheiro e receita quando precisavam ir a farmácia. Os médicos oficiais foram seus grandes adversários (assim como do alquimista Paracelso). Chegou em Lyon na França em 1784. Lá quis estabelecer um novo rito na maçonaria o "Rito Egípcio", chegou a enviar um documento oficial solicitando, mas, tal ordem é pouco afeita á inovações. Mesmo assim ele fundou sua própria loja maçônica. Uma golpista madame de la Motte envolveu seu amigo o cardeal Roham em uma alta dívida por um colar de diamantes que seria supostamente dado a Maria Antonieta. Quando o caso veio á público Cagliostro foi preso na Bastilha. O caso foi resolvido e ele inocentado. Teve um retorno a Londres mas tão pouco proveitoso quanto sua primeira estadia. Rumou para Suíça, depois chegou em 1789 em Roma. A Inquisição não tardou a pegá-lo e em 1791 foi executado (embora haja quem alimente especulações de que foi uma morte forjada). Antes disso, emissários foram até ele na prisão onde ele falou em árabe.
A maioria dos relatos sobre Cagliostro são de escritos de seus inimigos, jornalistas sensacionalistas, interessados no oculto decepcionados, gente que não conseguiu extorqui-lo. Sua relação com o Conde de Saint Germain é especulada, há quem afirme que nunca houve essa relação, outros como Vitor Manuel Adrião em seu livro "As Forças Secretas da Civilização" publicado aqui pela Madras afirma que Cagliostro estava a serviço de Saint Germain e que sua missão foi salvar o delfim da França antes da Revolução. Afinal o que ele queria em suas andanças? Embora fosse maçom ele não parecia estar seguindo qualquer diretriz da ordem. Quando chegava na cidade ele mandava sua esposa preparar a mesa para receber qualquer pessoa que necessitasse, estava á disposição dos pobres e doentes desde a manhã até a noite, nunca cobrando nada, comia em pé e rapidamente. Aos interessados no oculto se dispunha a discutir tais assuntos e até a ensinar embora nunca encontrasse mentes preparadas. Por todas essas características tudo leva a crer que ele foi um membro da ordem Sufi e que era a serviço dessa ordem que ele agiu daquela forma (para entender sobre o sufismo recomendo meu outro post desse mesmo blog intitulado "O QUE É O SUFISMO?". Um adepto português sufi que assumiu uma identidade fictícia para cumprir a designação de seus mestres quer seja introduzindo algo novo na maçonaria, ensinando o oculto aos interessados ou fazendo obras de caridade. Apesar de quase nunca escrever, Cagliostro possuía um selo pessoal que talvez os filiados a seu grupo o reconheçam:
domingo, 9 de junho de 2019
A VERDADEIRA INICIAÇÃO
Olá a todos! A tempos não postava nada novo por aqui, emfim encontrei tempo e conteúdo significativo pra divulgar. Nesse post vou falar sobre "iniciação" e tudo que esse termo envolve, especialmente no meio ocultista. A ideia que a maioria tem sobre "iniciação" geralmente é a imagem de um indivíduo se submetendo a um tipo de "ritual" pelo seu mestre ou iniciador, porém a verdadeira iniciação é algo muito mais amplo que isso. Na maçonaria e em outras ordens esotéricas a iniciação ocorre no início quando o adepto entra e durante as "mudanças de graus", "elevação de graus" e contam com todo paramento, encenamento e em muitos casos textos que precisam ser decorados e recitados pelos participantes. Algumas são um tipo de "interrogatório" onde o iniciador ou mestre faz as perguntas e o que está sendo iniciado tem que dar as respostas, não improvisadas, mas, já decoradas e fixas. Essas iniciações de grupos tem mais importância para o protocolo da organização a qual está afiliado nem tanto para o indivíduo, as "grandes" iniciações ocorrem a nível individual, são momentos de grande significado e marcam profundamente a consciência da pessoa que passa por essa experiencia. São momentos em que certos sentidos são estimulados a um nível muito particular criando uma lembrança única como cada ser humano com toda sua complexidade é. Depois dessa iniciação, o indivíduo passa a um novo nível e ganha algo que é imaterial mas que ele considera como extremamente valioso e que nunca daria a ninguém a não ser que passe por certos testes tamanha a importância que aquele momento teve para o indivíduo. Suponhamos que alguém ganhou grande quantidade de um produto qualquer, ele considerará aquele produto como algo banal, certo? Agora suponhamos que alguém teve que se esforçar muito para adquirir tal produto, ele considerará aquilo como muito precioso e atribuirá um valor sentimental extra não permitindo que ninguém tome tal produto dele sem esforço algum. Assim é a verdadeira iniciação, nunca é algo dado ou adquirido facilmente, e quem tem ou adquiriu nunca a entregará a outro de forma banal.
Embora conteúdo importante possa ser adquirido através da leitura de livros, dentro da cabala mais do que em qualquer outro segmento ocultista o ensinamento oral transmitido de mestre a discípulo é extremamente valorizado, na verdade grande parte do conteúdo cabalístico só é ensinado oralmente, o conteúdo disponível nos livros atualmente é apenas uma parte. Veja esse trecho dos comentários de Arieh Kaplan no livro Sêfer Yetsirá:
"Naquele tempo, existia a regra de que a tradição oral fosse recapitulada exatamente, palavra por palavra, precisamente como havia sido dada. A norma era 'Alguém deve sempre repassar as palavras precisas de seu mestre'. E cada mestre proporcionaria assim um programa de estudo que seus discípulos memorizariam palavra por palavra."
No campo das iniciações dadas por mestres nada pode ser tão particular, cada mestre sabe quem merece o quê e que tipos de informações devem ser transmitidas a cada indivíduo. Informações podem e costumam ser deturpadas e mal entendidas pela massa vulgar, por isso a restrição. O cabalista Isaac Luria escreveu pouco, seus ensinamentos eram basicamente orais transmitidos em palestras a seus discípulos, ele nunca permitiu que nenhum deles escrevesse nada dessas aulas, apenas seu principal discípulo Chaim Vital ele deu essa autorização e é a partir dos livros de Vital que os cabalistas posteriores puderam tomar conhecimento dos conceitos de Luria, o ARI. Abraham Abuláfia transmitia seus ensinamentos de forma livre restringindo o conteúdo apenas, depois observava o potencial de seus discípulos até onde eles poderiam receber mais ou se não estavam aptos.
Um livro ao qual eu recorro constantemente pela riqueza de conteúdo é "Reféns do Diabo" de Malachi Martin. Malachi Martin nascido em 1921 e falecido em 1999 foi um ex-padre irlandês e ex-membro da ordem jesuíta. Ele se desligou da igreja e dos jesuítas por discordar dos rumos que estavam tomando, teve conhecimentos das técnicas de exorcismo e passou a viver nos EUA se dedicando a escrever e publicar livros onde expôs tanto a ordem jesuíta quanto intrigas internas do Vaticano. A escrita de Malachi é muito rica em detalhes ao ponto dele contar minucias do passado dos indivíduos sobre os quais fala e dos momentos, uma escrita imersiva. Foto de Malachi Martin (que faleceu depois de seu último e mais complicado exorcismo):
Como esse livro trata de exorcismo e possessões demoníacas, também acaba abarcando o que é chamado de "paranormal" de modo geral. Nem sempre Malachi fala com entendimento do assunto no livro demonstrando certa inocência quanto a assuntos paranormais, mas ele registra todos os detalhes o que dá ao bom observador/leitor material para analisar com nitidez. São alguns casos muito específicos de exorcismo que ele registrou lá, um deles envolvia um ambicioso professor de parapsicologia que tinha dons psíquicos genuínos. Esse professor, chamado no livro de Carl (embora esse não fosse seu verdadeiro nome que foi preservado obviamente) tomou contato ao acaso com um aluno de intercâmbio que era tibetano chamado no livro de Olde. Olde deu a Carl conceitos que ele não conhecia de misticismo e iniciou ele no que foi chamado no livro de "prece superior" um tipo específico de meditação transcendental no qual o praticante anula o próprio ego e entra em comunhão com o "todo" como Olde se referia ao que nós chamamos de Deus. Após Carl conseguir dominar essa técnica Olde se afastou dele, passou a ignorá-lo, a razão era que Olde não achava (e com razão) que Carl estava preparado para dar o próximo passo pois estava imerso em conceitos materialistas e errados, veja esse trecho do livro:
"Mas Olde não queria mais saber dele. Por quê? Esta foi a pergunta de Carl a Olde enquanto caminhavam pelo campus durante as manhãs. Por quê?
Olde dizia muito pouco. Admitia que havia introduzido Carl no Vajnavana, o 'raio', veículo do poder místico. Mas nenhuma persuasão sobre a terra poderia fazê-lo introduzir Carl mais ainda no Mantravana, veículo dos encantamentos místicos.
-O que já fiz é o bastante- resmungou Olde. Depois, como se tivesse pensado melhor: -O que fiz já é bastante perigoso.
Carl ainda não podia compreender. Persistiu, pedindo a Olde para explicar ou, se não pudesse explicar, pelo menos sugerir uma orientação para ele.
Certo dia, afinal, Olde não teve mais nehuma resposta. Toda alma, disse ele, que se volta para a perfeição da Plenitude é como uma flor de lótus de pétalas fechadas no começo da sua busca. Sob a direção de um mestre ou guia, ela abre suas oito pétalas lentamente. O mestre simplesmente assisti a essa abertura. Quando as pétalas estão abertas, a minúscula urna prateada do verdadeiro conhecimento é colocada no centro da flor de lótus. E quando as pétalas se fecham outra vez, toda flor se transforma num veículo desse verdadeiro conhecimento.
Afastando os olhos de Carl, Olde disse com voz áspera quase hostil: -A urna de prata nunca poderá ser colocada no centro da sua flor. Ela já está ocupada por uma negação automultiplicadora. (Uma pausa) -Imundície. Materialidade. Lodo. Morte.
Carl ficou espantado, literalmente emudecido por um instante. Olde afastou-se dele, ainda sem olhar para ele. Estava a cerca de cinco passos de distância quando Carl sucumbiu. Só conseguiu proferir uma exclamação sufocada:
-Olde! Meu amigo! Olde!
Olde parou, de costas para Carl. Estava completamente calmo, imóvel , sem palavras. Depois Carl ouviu-o dizer numa voz baixa e não particularmente para ele:
-Amigo é sagrado. Carl não entendeu o que ele quis dizer.
Depois, Olde virou-se lentamente. Carl não reconheceu suas feições. Não eram mais os traços suaves do seu amigo. A testa não era mais uma extensão sem vincos como antes, seus olhos estavam brilhando como uma luz amarelada. Linhas cruéis cruzavam-se na boca e faces. Não estava com raiva. Estava hostil. Aquela imagem de Olde ficou gravada na memória de Carl. Olde disse para Carl apenas algumas palavras as quais nunca pode esquecer:
-Você tem Yama (deus tibetano dos mortos) sem Yamantaka (deus que representa a "vitória sobre a morte"). Preto sem branco. O nada sem alguma coisa. Foi a última vez que Olde falou diretamente com Carl.
Quando Olde virou-se outra vez, Carl teve uma iversão súbita. Pareceu ficar absorvido por alguns instantes na "prece superior". Sua onda de frustração e raiva cedeu lugar ao desprezo e náusea por Olde. Depois quando olhou para as costas de Olde que se afastava, foi tomado por medo da advertência de Olde e do que ele representava. De alguma forma ele era o inimigo. De alguma forma ele, Carl, constituía um "nós" com mais alguém e Olde não podia pertencer a ele.
-Inimigo! Ouviu-se, de repente, gritando para Olde.
Olde parou, começou a virar-se, e olhou por cima do ombro para Carl. Seu rosto voltara ao seu repouso habitual. Sua testa, faces e boca estavam lisas e sem vincos. Seus olhos estavam calmos, muito abertos, apenas profundezas suaves de luz impenetrável, como eram geralmente. A compaixão atingiu Carl como um chicote. Não queria a compaixão de ninguém. Recuou um passo, quis falar, mas não conseguiu extrair qualquer palavra da garganta. Recuou outro passo, começou a se virar, depois outro passo e outra meia-volta, até ver-se literalmente se afastando. Disse consigo mesmo que havia se afastado, mas, no íntimo, sabia que tinha sido repelido, tinha sido virado e empurrado para longe."
Olde não viu em Carl potencial para dar um próximo passo em seus estudos e práticas ocultas, achou ele despreparado. Assim se comporta o verdadeiro mestre. Há um ditado famoso: "Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece." Parece um pouco infantil e romântico, pois cada caso é um caso. No filme "A Montanha Sagrada" dirigido por Alejandro Jodorosky (esse filme mesmo repleto de simbolismos onde as iniciações surgem o tempo todo) em uma cena o mago diz ao tolo: "-É o mestre que deve fazer seu próprio discípulo." Passando por cima do conceito de "esperar" e sim "fabricar" o discípulo.
Por fim, cada caso é um caso, cada mestre sabe até que ponto o discípulo deve saber e de que maneira deve transmitir conteúdo. Existem também as "auto-iniciações" que cada um guarda dentro de si e pelas quais vai passando, tanto as dadas por mestres quanto as aprendidas por conta própria são tão únicas que não podem ser explicadas nem repetidas em grande escala, cada um deve encontrar a sua própria iniciação.
Olá a todos! A tempos não postava nada novo por aqui, emfim encontrei tempo e conteúdo significativo pra divulgar. Nesse post vou falar sobre "iniciação" e tudo que esse termo envolve, especialmente no meio ocultista. A ideia que a maioria tem sobre "iniciação" geralmente é a imagem de um indivíduo se submetendo a um tipo de "ritual" pelo seu mestre ou iniciador, porém a verdadeira iniciação é algo muito mais amplo que isso. Na maçonaria e em outras ordens esotéricas a iniciação ocorre no início quando o adepto entra e durante as "mudanças de graus", "elevação de graus" e contam com todo paramento, encenamento e em muitos casos textos que precisam ser decorados e recitados pelos participantes. Algumas são um tipo de "interrogatório" onde o iniciador ou mestre faz as perguntas e o que está sendo iniciado tem que dar as respostas, não improvisadas, mas, já decoradas e fixas. Essas iniciações de grupos tem mais importância para o protocolo da organização a qual está afiliado nem tanto para o indivíduo, as "grandes" iniciações ocorrem a nível individual, são momentos de grande significado e marcam profundamente a consciência da pessoa que passa por essa experiencia. São momentos em que certos sentidos são estimulados a um nível muito particular criando uma lembrança única como cada ser humano com toda sua complexidade é. Depois dessa iniciação, o indivíduo passa a um novo nível e ganha algo que é imaterial mas que ele considera como extremamente valioso e que nunca daria a ninguém a não ser que passe por certos testes tamanha a importância que aquele momento teve para o indivíduo. Suponhamos que alguém ganhou grande quantidade de um produto qualquer, ele considerará aquele produto como algo banal, certo? Agora suponhamos que alguém teve que se esforçar muito para adquirir tal produto, ele considerará aquilo como muito precioso e atribuirá um valor sentimental extra não permitindo que ninguém tome tal produto dele sem esforço algum. Assim é a verdadeira iniciação, nunca é algo dado ou adquirido facilmente, e quem tem ou adquiriu nunca a entregará a outro de forma banal.
Embora conteúdo importante possa ser adquirido através da leitura de livros, dentro da cabala mais do que em qualquer outro segmento ocultista o ensinamento oral transmitido de mestre a discípulo é extremamente valorizado, na verdade grande parte do conteúdo cabalístico só é ensinado oralmente, o conteúdo disponível nos livros atualmente é apenas uma parte. Veja esse trecho dos comentários de Arieh Kaplan no livro Sêfer Yetsirá:
"Naquele tempo, existia a regra de que a tradição oral fosse recapitulada exatamente, palavra por palavra, precisamente como havia sido dada. A norma era 'Alguém deve sempre repassar as palavras precisas de seu mestre'. E cada mestre proporcionaria assim um programa de estudo que seus discípulos memorizariam palavra por palavra."
No campo das iniciações dadas por mestres nada pode ser tão particular, cada mestre sabe quem merece o quê e que tipos de informações devem ser transmitidas a cada indivíduo. Informações podem e costumam ser deturpadas e mal entendidas pela massa vulgar, por isso a restrição. O cabalista Isaac Luria escreveu pouco, seus ensinamentos eram basicamente orais transmitidos em palestras a seus discípulos, ele nunca permitiu que nenhum deles escrevesse nada dessas aulas, apenas seu principal discípulo Chaim Vital ele deu essa autorização e é a partir dos livros de Vital que os cabalistas posteriores puderam tomar conhecimento dos conceitos de Luria, o ARI. Abraham Abuláfia transmitia seus ensinamentos de forma livre restringindo o conteúdo apenas, depois observava o potencial de seus discípulos até onde eles poderiam receber mais ou se não estavam aptos.
Um livro ao qual eu recorro constantemente pela riqueza de conteúdo é "Reféns do Diabo" de Malachi Martin. Malachi Martin nascido em 1921 e falecido em 1999 foi um ex-padre irlandês e ex-membro da ordem jesuíta. Ele se desligou da igreja e dos jesuítas por discordar dos rumos que estavam tomando, teve conhecimentos das técnicas de exorcismo e passou a viver nos EUA se dedicando a escrever e publicar livros onde expôs tanto a ordem jesuíta quanto intrigas internas do Vaticano. A escrita de Malachi é muito rica em detalhes ao ponto dele contar minucias do passado dos indivíduos sobre os quais fala e dos momentos, uma escrita imersiva. Foto de Malachi Martin (que faleceu depois de seu último e mais complicado exorcismo):
Como esse livro trata de exorcismo e possessões demoníacas, também acaba abarcando o que é chamado de "paranormal" de modo geral. Nem sempre Malachi fala com entendimento do assunto no livro demonstrando certa inocência quanto a assuntos paranormais, mas ele registra todos os detalhes o que dá ao bom observador/leitor material para analisar com nitidez. São alguns casos muito específicos de exorcismo que ele registrou lá, um deles envolvia um ambicioso professor de parapsicologia que tinha dons psíquicos genuínos. Esse professor, chamado no livro de Carl (embora esse não fosse seu verdadeiro nome que foi preservado obviamente) tomou contato ao acaso com um aluno de intercâmbio que era tibetano chamado no livro de Olde. Olde deu a Carl conceitos que ele não conhecia de misticismo e iniciou ele no que foi chamado no livro de "prece superior" um tipo específico de meditação transcendental no qual o praticante anula o próprio ego e entra em comunhão com o "todo" como Olde se referia ao que nós chamamos de Deus. Após Carl conseguir dominar essa técnica Olde se afastou dele, passou a ignorá-lo, a razão era que Olde não achava (e com razão) que Carl estava preparado para dar o próximo passo pois estava imerso em conceitos materialistas e errados, veja esse trecho do livro:
"Mas Olde não queria mais saber dele. Por quê? Esta foi a pergunta de Carl a Olde enquanto caminhavam pelo campus durante as manhãs. Por quê?
Olde dizia muito pouco. Admitia que havia introduzido Carl no Vajnavana, o 'raio', veículo do poder místico. Mas nenhuma persuasão sobre a terra poderia fazê-lo introduzir Carl mais ainda no Mantravana, veículo dos encantamentos místicos.
-O que já fiz é o bastante- resmungou Olde. Depois, como se tivesse pensado melhor: -O que fiz já é bastante perigoso.
Carl ainda não podia compreender. Persistiu, pedindo a Olde para explicar ou, se não pudesse explicar, pelo menos sugerir uma orientação para ele.
Certo dia, afinal, Olde não teve mais nehuma resposta. Toda alma, disse ele, que se volta para a perfeição da Plenitude é como uma flor de lótus de pétalas fechadas no começo da sua busca. Sob a direção de um mestre ou guia, ela abre suas oito pétalas lentamente. O mestre simplesmente assisti a essa abertura. Quando as pétalas estão abertas, a minúscula urna prateada do verdadeiro conhecimento é colocada no centro da flor de lótus. E quando as pétalas se fecham outra vez, toda flor se transforma num veículo desse verdadeiro conhecimento.
Afastando os olhos de Carl, Olde disse com voz áspera quase hostil: -A urna de prata nunca poderá ser colocada no centro da sua flor. Ela já está ocupada por uma negação automultiplicadora. (Uma pausa) -Imundície. Materialidade. Lodo. Morte.
Carl ficou espantado, literalmente emudecido por um instante. Olde afastou-se dele, ainda sem olhar para ele. Estava a cerca de cinco passos de distância quando Carl sucumbiu. Só conseguiu proferir uma exclamação sufocada:
-Olde! Meu amigo! Olde!
Olde parou, de costas para Carl. Estava completamente calmo, imóvel , sem palavras. Depois Carl ouviu-o dizer numa voz baixa e não particularmente para ele:
-Amigo é sagrado. Carl não entendeu o que ele quis dizer.
Depois, Olde virou-se lentamente. Carl não reconheceu suas feições. Não eram mais os traços suaves do seu amigo. A testa não era mais uma extensão sem vincos como antes, seus olhos estavam brilhando como uma luz amarelada. Linhas cruéis cruzavam-se na boca e faces. Não estava com raiva. Estava hostil. Aquela imagem de Olde ficou gravada na memória de Carl. Olde disse para Carl apenas algumas palavras as quais nunca pode esquecer:
-Você tem Yama (deus tibetano dos mortos) sem Yamantaka (deus que representa a "vitória sobre a morte"). Preto sem branco. O nada sem alguma coisa. Foi a última vez que Olde falou diretamente com Carl.
Quando Olde virou-se outra vez, Carl teve uma iversão súbita. Pareceu ficar absorvido por alguns instantes na "prece superior". Sua onda de frustração e raiva cedeu lugar ao desprezo e náusea por Olde. Depois quando olhou para as costas de Olde que se afastava, foi tomado por medo da advertência de Olde e do que ele representava. De alguma forma ele era o inimigo. De alguma forma ele, Carl, constituía um "nós" com mais alguém e Olde não podia pertencer a ele.
-Inimigo! Ouviu-se, de repente, gritando para Olde.
Olde parou, começou a virar-se, e olhou por cima do ombro para Carl. Seu rosto voltara ao seu repouso habitual. Sua testa, faces e boca estavam lisas e sem vincos. Seus olhos estavam calmos, muito abertos, apenas profundezas suaves de luz impenetrável, como eram geralmente. A compaixão atingiu Carl como um chicote. Não queria a compaixão de ninguém. Recuou um passo, quis falar, mas não conseguiu extrair qualquer palavra da garganta. Recuou outro passo, começou a se virar, depois outro passo e outra meia-volta, até ver-se literalmente se afastando. Disse consigo mesmo que havia se afastado, mas, no íntimo, sabia que tinha sido repelido, tinha sido virado e empurrado para longe."
Olde não viu em Carl potencial para dar um próximo passo em seus estudos e práticas ocultas, achou ele despreparado. Assim se comporta o verdadeiro mestre. Há um ditado famoso: "Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece." Parece um pouco infantil e romântico, pois cada caso é um caso. No filme "A Montanha Sagrada" dirigido por Alejandro Jodorosky (esse filme mesmo repleto de simbolismos onde as iniciações surgem o tempo todo) em uma cena o mago diz ao tolo: "-É o mestre que deve fazer seu próprio discípulo." Passando por cima do conceito de "esperar" e sim "fabricar" o discípulo.
Por fim, cada caso é um caso, cada mestre sabe até que ponto o discípulo deve saber e de que maneira deve transmitir conteúdo. Existem também as "auto-iniciações" que cada um guarda dentro de si e pelas quais vai passando, tanto as dadas por mestres quanto as aprendidas por conta própria são tão únicas que não podem ser explicadas nem repetidas em grande escala, cada um deve encontrar a sua própria iniciação.
sábado, 26 de janeiro de 2019
O QUE É O SUFISMO?
Olá pessoal! Nesse post vou tentar dar aos leitores uma visão geral sobre o que é o sufismo.
Quando qualquer pessoa começa a tentar rastrear informações a respeito do sufismo encontra de cara afirmações de que o sufismo é a vertente "mística" do islamismo, o que não é realmente uma afirmação absolutamente correta.
Ao que parece a maior parte de tudo que o grande público sabe sobre o sufismo é apenas superficial ou informações distorcidas. Realmente o sufismo permanece como uma das grandes organizações esotéricas pouco compreendidas da maioria das pessoas que relacionam o sufismo aos "dervixes" da Turquia que fazem cerimônias rodopiando com trajes feito saias. Porém, o sufismo na realidade se trata de uma organização muito mais densa e abrangente do que se pensa.
A origem da palavra "sufi", geralmente é aceita como sendo a palavra "souf" que significa "lã" em árabe devido aos adeptos dessa organização usarem um traje simples feito de lã. Outro termo usado como equivalente ao sufismo é "tasawuwuf" semelhante ao conceito de "poder mágico". Pouco se sabe sobre essa organização, e, o que mais se tem de informação bem embasada vem de Idries Shah 1924-1996 nascido na Índia e de ascendência afegã, autor de numerosas obras e grandes contribuições para a área do ocultismo em geral, ele mesmo um adepto sufi. Foto de Shah:
Ele foi amigo e biógrafo de Gerald Gardner 1884-1964 mais influente contribuidor para a formação do movimento conhecido atualmente como "wicca" e apresentou ao público ocidental as histórias de Mulla Nasruddin, uma espécie de "louco/sábio-místico" do folclore do Oriente Médio. Shah apresenta ao público um impressionante panorama do que é o sufismo no capítulo VII de seu primeiro livro publicado "Magia Oriental" lançado aqui no Brasil naquela memorável coletânea "Biblioteca Planeta" da Editora Três dos anos 70. Segundo Shah, o sufismo é uma força poderosa no mundo embora discreta e organizada com uma hierarquia semelhante as ordens monásticas da Idade Média. Mais focada no sufismo e até considerada uma obra de referência sobre o assunto é seu livro "Os Sufis" escrito de modo deliberadamente difuso, menos direto do que os pesquisadores desejariam que fosse. Segundo Shah, os sufis permitem que qualquer um presencie seus rituais e por isso filhos de adeptos sufis acabam desejando fazer parte da organização. Eles não encorajam a vida de monge afirmando que o homem foi feito para a vida em sociedade e que está enganando a si mesmo levando uma vida isolada de eremita. Também afirma que o sufismo é uma organização que existe antes do surgimento do islã e que apenas se associou ao islã como meio de se propagar. Dentre as caraterísticas desse grupo místico estão o estímulo a estados de estases e a habilidade de anulação do tempo.
No livro "Os Sufis" Shah apresenta muitos aspectos do sufismo e indivíduos marcantes da cultura ocidental que foram inflenciados pelo sufismo como o escritor e aventureiro Richard Francis Burton e São Francisco de Assis. Segundo Shah, mesmo a maçonaria teve influencia do sufismo, ele prova isso decodificando a palavra "construtores" em árabe e mostrando que os 33 graus dessa ordem são derivados dos 99 "nomes de Deus" típicos da tradição muçulmana/sufi. Segundo ele, as ordens sufi são: os "rifai"(ululantes), "qalandar"(barbeados), "chisti"(músicos), "mevlev"(dançarinos) e "naqshbandi" (silenciosos). Além disso, Shah afirma que nem todas as ordens sufi fazem uso da música e da dança em seus rituais, muitas mesmo proíbem seu uso para fins ritualísticos. Ele afirma que o sufismo não é uma organização esotérica com dogmas definitivos, mas, uma organização que prega a maleabilidade e flexibilidade de ensinamentos de acordo com a cultura do país e estilo do indivíduo. No livro "Magia Oriental" Shah afirma que o sufismo está organizado de modo a ter representantes no mundo todo, que os chefes estão subordinados a um único líder detentor de grande poder que apenas entra em contato com seus subordinados por meios telepáticos e que é conhecido de poucos. Conhecidos sufis foram alquimistas árabes cujas obras foram referência para alquimistas europeus e poetas cujos livros estão embebidos de conceitos sufis (Shah afirma que até a obra do famoso poeta persa Omar Kahyam tinha conceitos sufistas nos manuscritos originais e que quando ele se referia ao vinho na verdade estava se referindo ao misticismo sufi). O próprio Shah pelo que se deduz foi um representante ou líder (sheik) dos sufis para o Ocidente, ligado a misteriosa "Ordem de Sarmoung".
A primeira vez que tal organização é menciona foi por madame Blavatsky 1831-1891 que dizia que existia uma sociedade sediada na Ásia Central que era detentora da "verdadeira" cabala sintetizada no "Livro Caldeu dos Números". Vemos em seguida tal ordem ser citada pelo místico Gurdjieff 1866-1849 que afirmava que foi iniciado no mosteiro dessa ordem no Afeganistão. Idries Shah quando tomou contato com os alunos de Gurdjieff afirmou que tais ensinamentos eram essencialmente sufis. A ordem de Sarmoung, segundo Gurdjieff, vinha acumulando conhecimento esotérico desde os tempos antigos até a era moderna. O personagem considerado patrono da ordem sufi é El Khidhr (falei sobre ele nos posts desse mesmo blog de título "IMORTAIS" e "PERSONAGENS E MISTÉRIOS DA TRADIÇÃO ÁRABE/MULÇUMANA) que segundo as histórias entrou em contato com vários khalifas e santos do sufismo além do próprio Maomé.
Assim sendo, o sufismo se apresenta como uma organização muito mais complexa e poderosa do que o público ocidental imagina, e muito mais influente também.
Olá pessoal! Nesse post vou tentar dar aos leitores uma visão geral sobre o que é o sufismo.
Quando qualquer pessoa começa a tentar rastrear informações a respeito do sufismo encontra de cara afirmações de que o sufismo é a vertente "mística" do islamismo, o que não é realmente uma afirmação absolutamente correta.
Ao que parece a maior parte de tudo que o grande público sabe sobre o sufismo é apenas superficial ou informações distorcidas. Realmente o sufismo permanece como uma das grandes organizações esotéricas pouco compreendidas da maioria das pessoas que relacionam o sufismo aos "dervixes" da Turquia que fazem cerimônias rodopiando com trajes feito saias. Porém, o sufismo na realidade se trata de uma organização muito mais densa e abrangente do que se pensa.
A origem da palavra "sufi", geralmente é aceita como sendo a palavra "souf" que significa "lã" em árabe devido aos adeptos dessa organização usarem um traje simples feito de lã. Outro termo usado como equivalente ao sufismo é "tasawuwuf" semelhante ao conceito de "poder mágico". Pouco se sabe sobre essa organização, e, o que mais se tem de informação bem embasada vem de Idries Shah 1924-1996 nascido na Índia e de ascendência afegã, autor de numerosas obras e grandes contribuições para a área do ocultismo em geral, ele mesmo um adepto sufi. Foto de Shah:
Ele foi amigo e biógrafo de Gerald Gardner 1884-1964 mais influente contribuidor para a formação do movimento conhecido atualmente como "wicca" e apresentou ao público ocidental as histórias de Mulla Nasruddin, uma espécie de "louco/sábio-místico" do folclore do Oriente Médio. Shah apresenta ao público um impressionante panorama do que é o sufismo no capítulo VII de seu primeiro livro publicado "Magia Oriental" lançado aqui no Brasil naquela memorável coletânea "Biblioteca Planeta" da Editora Três dos anos 70. Segundo Shah, o sufismo é uma força poderosa no mundo embora discreta e organizada com uma hierarquia semelhante as ordens monásticas da Idade Média. Mais focada no sufismo e até considerada uma obra de referência sobre o assunto é seu livro "Os Sufis" escrito de modo deliberadamente difuso, menos direto do que os pesquisadores desejariam que fosse. Segundo Shah, os sufis permitem que qualquer um presencie seus rituais e por isso filhos de adeptos sufis acabam desejando fazer parte da organização. Eles não encorajam a vida de monge afirmando que o homem foi feito para a vida em sociedade e que está enganando a si mesmo levando uma vida isolada de eremita. Também afirma que o sufismo é uma organização que existe antes do surgimento do islã e que apenas se associou ao islã como meio de se propagar. Dentre as caraterísticas desse grupo místico estão o estímulo a estados de estases e a habilidade de anulação do tempo.
No livro "Os Sufis" Shah apresenta muitos aspectos do sufismo e indivíduos marcantes da cultura ocidental que foram inflenciados pelo sufismo como o escritor e aventureiro Richard Francis Burton e São Francisco de Assis. Segundo Shah, mesmo a maçonaria teve influencia do sufismo, ele prova isso decodificando a palavra "construtores" em árabe e mostrando que os 33 graus dessa ordem são derivados dos 99 "nomes de Deus" típicos da tradição muçulmana/sufi. Segundo ele, as ordens sufi são: os "rifai"(ululantes), "qalandar"(barbeados), "chisti"(músicos), "mevlev"(dançarinos) e "naqshbandi" (silenciosos). Além disso, Shah afirma que nem todas as ordens sufi fazem uso da música e da dança em seus rituais, muitas mesmo proíbem seu uso para fins ritualísticos. Ele afirma que o sufismo não é uma organização esotérica com dogmas definitivos, mas, uma organização que prega a maleabilidade e flexibilidade de ensinamentos de acordo com a cultura do país e estilo do indivíduo. No livro "Magia Oriental" Shah afirma que o sufismo está organizado de modo a ter representantes no mundo todo, que os chefes estão subordinados a um único líder detentor de grande poder que apenas entra em contato com seus subordinados por meios telepáticos e que é conhecido de poucos. Conhecidos sufis foram alquimistas árabes cujas obras foram referência para alquimistas europeus e poetas cujos livros estão embebidos de conceitos sufis (Shah afirma que até a obra do famoso poeta persa Omar Kahyam tinha conceitos sufistas nos manuscritos originais e que quando ele se referia ao vinho na verdade estava se referindo ao misticismo sufi). O próprio Shah pelo que se deduz foi um representante ou líder (sheik) dos sufis para o Ocidente, ligado a misteriosa "Ordem de Sarmoung".
A primeira vez que tal organização é menciona foi por madame Blavatsky 1831-1891 que dizia que existia uma sociedade sediada na Ásia Central que era detentora da "verdadeira" cabala sintetizada no "Livro Caldeu dos Números". Vemos em seguida tal ordem ser citada pelo místico Gurdjieff 1866-1849 que afirmava que foi iniciado no mosteiro dessa ordem no Afeganistão. Idries Shah quando tomou contato com os alunos de Gurdjieff afirmou que tais ensinamentos eram essencialmente sufis. A ordem de Sarmoung, segundo Gurdjieff, vinha acumulando conhecimento esotérico desde os tempos antigos até a era moderna. O personagem considerado patrono da ordem sufi é El Khidhr (falei sobre ele nos posts desse mesmo blog de título "IMORTAIS" e "PERSONAGENS E MISTÉRIOS DA TRADIÇÃO ÁRABE/MULÇUMANA) que segundo as histórias entrou em contato com vários khalifas e santos do sufismo além do próprio Maomé.
Assim sendo, o sufismo se apresenta como uma organização muito mais complexa e poderosa do que o público ocidental imagina, e muito mais influente também.
sábado, 19 de janeiro de 2019
A VIAGEM NOTURNA DE MAOMÉ
Olá a todos! Nesse post vou destrinchar alguns detalhes da famosa "viajem noturna" de Maomé. Esse episódio é conhecido em árabe como "isra"=viagem e "miraj"=ascenção. Para quem não está familiarizado com a tradição muçulmana recomendo dar uma olhada em outro post desse mesmo blog intitulado "MAOMÉ E O ALCORÃO".
Desde que Maomé foi exposto a revelação marcante na caverna de Hira quando tinha cerca de quarenta anos, passou então por diversos acontecimentos místicos. Aquela experiência despertou um sentido extra nele a "terceira visão" e ele passou a enxergar anjos, djinns e demônios quase diariamente além de receber os trechos do Alcorão que lhe eram recitados quando ele entrava em um estado de transe.
Esse acontecimento se deu alguns anos após ele começar a pregar o islã publicamente e se autoproclamar profeta e mensageiro de Deus. Embora os detalhes desse acontecimento não tenham sidos citados no Alcorão e o que se sabe sobre ele vem de comentários do próprio Maomé que foram ouvido por seus seguidores e escritos mais tarde nos "hadits" coletâneas de narrativas falando sobre a vida de Maomé, o Alcorão faz alusão superficial á ele no cap. 17 intitulado "A Viagem Noturna". Veja um trecho:
"Glorificado seja Aquele que, certa noite, levou seu servo da mesquita sagrada á distante mesquita de Al-Aqsa, cujos arredores abençoamos, para que pudéssemos mostrar-lhe alguns de nossos sinais."
Em uma noite, Maomé estava na mesquita de Meca próximo a Caaba a pedra negra. Então o anjo Gabriel veio até ele e lhe apresentou um animal para ele montar. Esse animal era semelhante a um cavalo e passou a ser chamado de "Buraq" na tradição muçulmana. Algumas ilustrações antigas representando Maomé montado em Buraq:
Quando montou em Buraq, Maomé voou pelos ares e chegou até a mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, foi uma longa viajem pois a distãncia de Meca na Arábia até Jerusalém é de mais de 1200 km embora tenha se passado rapidamente dado a natureza mística dos acontecimentos. Alguns exegetas podem interpretar essa viajem noturna de Maomé como um acontecimento físico, porém, estou mais inclinado a interpretar como um acontecimento puramente espiritual. Quando se lê no livro "Os Andarilhos do Bem" de Carlos Ginszburg a narrativa dos benandanti sobre suas viagens astrais fica evidente que essa viagem de Maomé tem as mesmas características. O ser semelhante a um cavalo Buraq muito se assemelha aos animais usados como montaria nas histórias dos benandanti, não se trata de animais reais, mas, formas de animais criadas astralmente para ajudar na viajem. Nas histórias dos benandanti eles falam sobre outros animais como cabras ou galos onde eles montam para fazer a viagem, trata-se de criaturas com formas de animais com os quais os indivíduos estão familiarizados. Quando chegou em Al-Aqsa Maomé foi recebido por um grupo de profetas anteriores e foi convidado a liderar a oração. Depois, Gabriel guiou Maomé para o primeiro céu o mais baixo ou mais próximo do nosso plano. Na tradição judaica, cristã e muçulmana o plano espiritual superior (vulgarmente chamado "céu" ou "paraíso") na verdade é composto por sete planos, são sete céus. Quando chegou ao primeiro céu Gabriel disse ao porteiro "-Abre." O porteiro perguntou quem era e ele respondeu que era Gabriel e estava trazendo Maomé. A viagem prosseguiu pelos sete céus sempre com Gabriel tendo que se apresentar ao porteiro. Nota-se claramente a semelhança desse episódio com a técnica da cabala conhecida como "merkabah" na qual o praticante ascende aos planos espirituais superiores. Além de todo preparo requerido, o praticante tem que saber os nomes dos anjos específicos que guardam os portões de cada céu. Nessa viajem pelos planos espirituais superiores Maomé conheceu Adão, Esdras, Jesus, João Batista, Moisés e Abraão. As narrativas dos hadiths falam que ele os encontrou em planos diferentes além de ter visto o inferno com toda sua complexidade também. Por fim, Maomé se encontrou diretamente com Deus, recebeu instruções e ficou determinado que as cinco orações diárias seriam uma obrigação da religião muçulmana (embora haja certa flexibilidade a respeito da quinta oração que é da noite á certa hora da madrugada, essa costuma ser considerada opcional). Quando um companheiro perguntou a Maomé como era Deus, ele respondeu que era velado pela luz por isso não pôde enxergá-lo diretamente. Isso é dito na cabala, diz-se que Deus não pode ser visto diretamente por ninguém, pois, sua imagem transcende a limitada percepção da visão humana, por isso diz-se que existe um "véu" que o cobre.
Após todas as maravilhas que viu, Maomé retornou á Meca e contou o ocorrido a Umm Ayaman, serva de sua mãe e a quem ele tinha grande consideração. Ela lhe recomendou a não contar esse acontecido a ninguém, mas, ele considerou adequado como parte de sua missão. De volta á mesquita de Meca durante o dia, Maomé encontrou Abu Jahl que foi um grande adversário do islã nos primeiros tempos. Como era de se esperar, Abu Jahl caiu na gargalhada, pois, é absolutamente incrível que em apenas uma noite alguém viaje de Meca a Jerusalém. Então ele chamou pessoas na rua e pediu a Maomé para dizer aquilo na frente de todos. As pessoas caíram na gargalhada.
Esse acontecimento da viajem noturna de Maomé costuma ser apontado como base de onde o escritor italiano Dante Alighieri (1265-1321) tirou inspiração para sua obra "Divina Comédia" na qual ele narra como foi guiado pelo espírito de um antigo poeta Virgílio que lhe mostrou os "nove círculos" do inferno e as punições e personagens de lá. O que é provável em relação a Dante é que sua obra tenha alguma pitada de "êxtase místico" um estado mental na qual alguns poetas e santos entram. Há uma narrativa que diz que depois de sua morte, Dante apareceu durante o sonho a um parente para lhe indicar onde estava escondido um livro e no dia seguinte a pessoa encontrou o livro no local indicado. Além dessa famosa viagem noturna, Maomé foi levado pelo anjo Gabriel outras vezes. Uma narrativa diz que certa vez Gabriel entrou em sua casa á noite quando Maomé bebia um copo d'água e ele deixou o copo cair de sua mão. Depois da experiência toda na qual foi levado aos planos superiores e pareceu ter passado várias horas lá, quando Maomé foi trazido de volta á sua casa percebeu que o copo d'água que ele tinha deixado cair ainda estava caindo e teve tempo de pega-lo antes dele cair no chão. Esse detalhe costuma ser usado pelos sufis a vertente mística do islã como exemplificação de como o tempo é relativo.
Olá a todos! Nesse post vou destrinchar alguns detalhes da famosa "viajem noturna" de Maomé. Esse episódio é conhecido em árabe como "isra"=viagem e "miraj"=ascenção. Para quem não está familiarizado com a tradição muçulmana recomendo dar uma olhada em outro post desse mesmo blog intitulado "MAOMÉ E O ALCORÃO".
Desde que Maomé foi exposto a revelação marcante na caverna de Hira quando tinha cerca de quarenta anos, passou então por diversos acontecimentos místicos. Aquela experiência despertou um sentido extra nele a "terceira visão" e ele passou a enxergar anjos, djinns e demônios quase diariamente além de receber os trechos do Alcorão que lhe eram recitados quando ele entrava em um estado de transe.
Esse acontecimento se deu alguns anos após ele começar a pregar o islã publicamente e se autoproclamar profeta e mensageiro de Deus. Embora os detalhes desse acontecimento não tenham sidos citados no Alcorão e o que se sabe sobre ele vem de comentários do próprio Maomé que foram ouvido por seus seguidores e escritos mais tarde nos "hadits" coletâneas de narrativas falando sobre a vida de Maomé, o Alcorão faz alusão superficial á ele no cap. 17 intitulado "A Viagem Noturna". Veja um trecho:
"Glorificado seja Aquele que, certa noite, levou seu servo da mesquita sagrada á distante mesquita de Al-Aqsa, cujos arredores abençoamos, para que pudéssemos mostrar-lhe alguns de nossos sinais."
Em uma noite, Maomé estava na mesquita de Meca próximo a Caaba a pedra negra. Então o anjo Gabriel veio até ele e lhe apresentou um animal para ele montar. Esse animal era semelhante a um cavalo e passou a ser chamado de "Buraq" na tradição muçulmana. Algumas ilustrações antigas representando Maomé montado em Buraq:
Quando montou em Buraq, Maomé voou pelos ares e chegou até a mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, foi uma longa viajem pois a distãncia de Meca na Arábia até Jerusalém é de mais de 1200 km embora tenha se passado rapidamente dado a natureza mística dos acontecimentos. Alguns exegetas podem interpretar essa viajem noturna de Maomé como um acontecimento físico, porém, estou mais inclinado a interpretar como um acontecimento puramente espiritual. Quando se lê no livro "Os Andarilhos do Bem" de Carlos Ginszburg a narrativa dos benandanti sobre suas viagens astrais fica evidente que essa viagem de Maomé tem as mesmas características. O ser semelhante a um cavalo Buraq muito se assemelha aos animais usados como montaria nas histórias dos benandanti, não se trata de animais reais, mas, formas de animais criadas astralmente para ajudar na viajem. Nas histórias dos benandanti eles falam sobre outros animais como cabras ou galos onde eles montam para fazer a viagem, trata-se de criaturas com formas de animais com os quais os indivíduos estão familiarizados. Quando chegou em Al-Aqsa Maomé foi recebido por um grupo de profetas anteriores e foi convidado a liderar a oração. Depois, Gabriel guiou Maomé para o primeiro céu o mais baixo ou mais próximo do nosso plano. Na tradição judaica, cristã e muçulmana o plano espiritual superior (vulgarmente chamado "céu" ou "paraíso") na verdade é composto por sete planos, são sete céus. Quando chegou ao primeiro céu Gabriel disse ao porteiro "-Abre." O porteiro perguntou quem era e ele respondeu que era Gabriel e estava trazendo Maomé. A viagem prosseguiu pelos sete céus sempre com Gabriel tendo que se apresentar ao porteiro. Nota-se claramente a semelhança desse episódio com a técnica da cabala conhecida como "merkabah" na qual o praticante ascende aos planos espirituais superiores. Além de todo preparo requerido, o praticante tem que saber os nomes dos anjos específicos que guardam os portões de cada céu. Nessa viajem pelos planos espirituais superiores Maomé conheceu Adão, Esdras, Jesus, João Batista, Moisés e Abraão. As narrativas dos hadiths falam que ele os encontrou em planos diferentes além de ter visto o inferno com toda sua complexidade também. Por fim, Maomé se encontrou diretamente com Deus, recebeu instruções e ficou determinado que as cinco orações diárias seriam uma obrigação da religião muçulmana (embora haja certa flexibilidade a respeito da quinta oração que é da noite á certa hora da madrugada, essa costuma ser considerada opcional). Quando um companheiro perguntou a Maomé como era Deus, ele respondeu que era velado pela luz por isso não pôde enxergá-lo diretamente. Isso é dito na cabala, diz-se que Deus não pode ser visto diretamente por ninguém, pois, sua imagem transcende a limitada percepção da visão humana, por isso diz-se que existe um "véu" que o cobre.
Após todas as maravilhas que viu, Maomé retornou á Meca e contou o ocorrido a Umm Ayaman, serva de sua mãe e a quem ele tinha grande consideração. Ela lhe recomendou a não contar esse acontecido a ninguém, mas, ele considerou adequado como parte de sua missão. De volta á mesquita de Meca durante o dia, Maomé encontrou Abu Jahl que foi um grande adversário do islã nos primeiros tempos. Como era de se esperar, Abu Jahl caiu na gargalhada, pois, é absolutamente incrível que em apenas uma noite alguém viaje de Meca a Jerusalém. Então ele chamou pessoas na rua e pediu a Maomé para dizer aquilo na frente de todos. As pessoas caíram na gargalhada.
Esse acontecimento da viajem noturna de Maomé costuma ser apontado como base de onde o escritor italiano Dante Alighieri (1265-1321) tirou inspiração para sua obra "Divina Comédia" na qual ele narra como foi guiado pelo espírito de um antigo poeta Virgílio que lhe mostrou os "nove círculos" do inferno e as punições e personagens de lá. O que é provável em relação a Dante é que sua obra tenha alguma pitada de "êxtase místico" um estado mental na qual alguns poetas e santos entram. Há uma narrativa que diz que depois de sua morte, Dante apareceu durante o sonho a um parente para lhe indicar onde estava escondido um livro e no dia seguinte a pessoa encontrou o livro no local indicado. Além dessa famosa viagem noturna, Maomé foi levado pelo anjo Gabriel outras vezes. Uma narrativa diz que certa vez Gabriel entrou em sua casa á noite quando Maomé bebia um copo d'água e ele deixou o copo cair de sua mão. Depois da experiência toda na qual foi levado aos planos superiores e pareceu ter passado várias horas lá, quando Maomé foi trazido de volta á sua casa percebeu que o copo d'água que ele tinha deixado cair ainda estava caindo e teve tempo de pega-lo antes dele cair no chão. Esse detalhe costuma ser usado pelos sufis a vertente mística do islã como exemplificação de como o tempo é relativo.
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