sábado, 26 de janeiro de 2019

O  QUE  É  O  SUFISMO?

   Olá pessoal! Nesse post vou tentar dar aos leitores uma visão geral sobre o que é o sufismo.
   Quando qualquer pessoa começa a tentar rastrear informações a respeito do sufismo encontra de cara afirmações de que o sufismo é a vertente "mística" do islamismo, o que não é realmente uma afirmação absolutamente correta. 
   Ao que parece a maior parte de tudo que o grande público sabe sobre o sufismo é apenas superficial ou informações distorcidas. Realmente o sufismo permanece como uma das grandes organizações esotéricas pouco compreendidas da maioria das pessoas que relacionam o sufismo aos "dervixes" da Turquia que fazem cerimônias rodopiando com trajes feito saias. Porém, o sufismo na realidade se trata de uma organização muito mais densa e abrangente do que se pensa.
   A origem da palavra "sufi", geralmente é aceita como sendo a palavra "souf" que significa "lã" em árabe devido aos adeptos dessa organização usarem um traje simples feito de lã. Outro termo usado como equivalente ao sufismo é "tasawuwuf" semelhante ao conceito de "poder mágico". Pouco se sabe sobre essa organização, e, o que mais se tem de informação bem embasada vem de Idries Shah 1924-1996 nascido na Índia e de ascendência afegã, autor de numerosas obras e grandes contribuições para a área do ocultismo em geral, ele mesmo um adepto sufi. Foto de Shah:

   Ele foi amigo e biógrafo de Gerald Gardner 1884-1964 mais influente contribuidor para a formação do movimento conhecido atualmente como "wicca" e apresentou ao público ocidental as histórias de Mulla Nasruddin, uma espécie de "louco/sábio-místico" do folclore do Oriente Médio. Shah apresenta ao público um impressionante panorama do que é o sufismo no capítulo VII de seu primeiro livro publicado "Magia Oriental" lançado aqui no Brasil naquela memorável coletânea "Biblioteca Planeta" da Editora Três dos anos 70. Segundo Shah, o sufismo é uma força poderosa no mundo embora discreta e organizada com uma hierarquia semelhante as ordens monásticas da Idade Média. Mais focada no sufismo e até considerada uma obra de referência sobre o assunto é seu livro "Os Sufis" escrito de modo deliberadamente difuso, menos direto do que os pesquisadores desejariam que fosse. Segundo Shah, os sufis  permitem que qualquer um presencie seus rituais e por isso filhos de adeptos sufis acabam desejando fazer parte da organização. Eles não encorajam a vida de monge afirmando que o homem foi feito para a vida em sociedade e que está enganando a si mesmo levando uma vida isolada de eremita. Também afirma que o sufismo é uma organização que existe antes do surgimento do islã e que apenas se associou ao islã como meio de se propagar. Dentre as caraterísticas desse grupo místico estão o estímulo a estados de estases e a habilidade de anulação do tempo. 
   No livro "Os Sufis" Shah apresenta muitos aspectos do sufismo e indivíduos marcantes da cultura ocidental que foram inflenciados pelo sufismo como o escritor e aventureiro Richard Francis Burton e São Francisco de Assis. Segundo Shah, mesmo a maçonaria teve influencia do sufismo, ele prova isso decodificando a palavra "construtores" em árabe e mostrando que os 33 graus dessa ordem são derivados dos 99 "nomes de Deus" típicos da tradição muçulmana/sufi. Segundo ele, as ordens sufi são: os "rifai"(ululantes), "qalandar"(barbeados), "chisti"(músicos), "mevlev"(dançarinos) e "naqshbandi" (silenciosos). Além disso, Shah afirma que nem todas as ordens sufi fazem uso da música e da dança em seus rituais, muitas mesmo proíbem seu uso para fins ritualísticos. Ele afirma que o sufismo não é uma organização esotérica com dogmas definitivos, mas, uma organização que prega a maleabilidade e flexibilidade de ensinamentos de acordo com a cultura do país e estilo do indivíduo. No livro "Magia Oriental" Shah afirma que o sufismo está organizado de modo a ter representantes no mundo todo, que os chefes estão subordinados a um único líder detentor de grande poder que apenas entra em contato com seus subordinados por meios telepáticos e que é conhecido de poucos. Conhecidos sufis foram alquimistas árabes cujas obras foram referência para alquimistas europeus e poetas cujos livros estão embebidos de conceitos sufis (Shah afirma que até a obra do famoso poeta persa Omar Kahyam tinha conceitos sufistas nos manuscritos originais e que quando ele se referia ao vinho na verdade estava se referindo ao misticismo sufi). O próprio Shah pelo que se deduz foi um representante ou líder (sheik) dos sufis para o Ocidente, ligado a misteriosa "Ordem de Sarmoung".
   A primeira vez que tal organização é menciona foi por madame Blavatsky 1831-1891 que dizia que existia uma sociedade sediada na Ásia Central que era detentora da "verdadeira" cabala sintetizada no "Livro Caldeu dos Números". Vemos em seguida tal ordem ser citada pelo místico Gurdjieff 1866-1849 que afirmava que foi iniciado no mosteiro dessa ordem no Afeganistão. Idries Shah quando tomou contato com os alunos de Gurdjieff afirmou que tais ensinamentos eram essencialmente sufis. A ordem de Sarmoung, segundo Gurdjieff, vinha acumulando conhecimento esotérico desde os tempos antigos até a era moderna. O personagem considerado patrono da ordem sufi é El Khidhr (falei sobre ele nos posts desse mesmo blog de título "IMORTAIS" e   "PERSONAGENS  E MISTÉRIOS  DA  TRADIÇÃO  ÁRABE/MULÇUMANA) que segundo as histórias entrou em contato com vários khalifas e santos do sufismo além do próprio Maomé. 
   Assim sendo, o sufismo se apresenta como uma organização muito mais complexa e poderosa do que o público ocidental imagina, e muito mais influente também.    
     

sábado, 19 de janeiro de 2019

A  VIAGEM  NOTURNA  DE  MAOMÉ

   Olá a todos! Nesse post vou destrinchar alguns detalhes da famosa "viajem noturna" de Maomé. Esse episódio é conhecido em árabe como "isra"=viagem e "miraj"=ascenção. Para quem não está familiarizado com a tradição muçulmana recomendo dar uma olhada em outro post desse mesmo blog intitulado "MAOMÉ E O ALCORÃO".
   Desde que Maomé foi exposto a revelação marcante na caverna de Hira quando tinha cerca de quarenta anos, passou então por diversos acontecimentos místicos. Aquela experiência despertou um sentido extra nele a "terceira visão" e ele passou a enxergar anjos, djinns e demônios quase diariamente além de receber os trechos do Alcorão que lhe eram recitados quando ele entrava em um estado de transe. 
   Esse acontecimento se deu alguns anos após ele começar a pregar o islã publicamente e se autoproclamar profeta e mensageiro de Deus. Embora os detalhes desse acontecimento não tenham sidos citados no Alcorão e o que se sabe sobre ele vem de comentários do próprio Maomé que foram ouvido por seus seguidores e escritos mais tarde nos "hadits" coletâneas de narrativas falando sobre a vida de Maomé, o Alcorão faz alusão superficial á ele no cap. 17 intitulado "A Viagem Noturna". Veja um trecho:

   "Glorificado seja Aquele que, certa noite, levou seu servo da mesquita sagrada á distante mesquita de Al-Aqsa, cujos arredores abençoamos, para que pudéssemos mostrar-lhe alguns de nossos sinais."

   Em uma noite, Maomé estava na mesquita de Meca próximo a Caaba a pedra negra. Então o anjo Gabriel veio até ele e lhe apresentou um animal para ele montar. Esse animal era semelhante a um cavalo e passou a ser chamado de "Buraq" na tradição muçulmana. Algumas ilustrações antigas representando Maomé montado em Buraq:



   Quando montou em Buraq, Maomé voou pelos ares e chegou até a mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, foi uma longa viajem pois a distãncia de Meca na Arábia até Jerusalém é de mais de 1200 km embora tenha se passado rapidamente dado a natureza mística dos acontecimentos. Alguns exegetas podem interpretar essa viajem noturna de Maomé como um acontecimento físico, porém, estou mais inclinado a interpretar como um acontecimento puramente espiritual. Quando se lê no livro "Os Andarilhos do Bem" de Carlos Ginszburg a narrativa dos benandanti sobre suas viagens astrais fica evidente que essa viagem de Maomé tem as mesmas características. O ser semelhante a um cavalo Buraq muito se assemelha aos animais usados como montaria nas histórias dos benandanti, não se trata de animais reais, mas, formas de animais criadas astralmente para ajudar na viajem. Nas histórias dos benandanti eles falam sobre outros animais como cabras ou galos onde eles montam para fazer a viagem, trata-se de criaturas com formas de animais com os quais os indivíduos estão familiarizados. Quando chegou em Al-Aqsa Maomé foi recebido por um grupo de profetas anteriores e foi convidado a liderar a oração. Depois, Gabriel guiou Maomé para o primeiro céu o mais baixo ou mais próximo do nosso plano. Na tradição judaica, cristã e muçulmana o plano espiritual superior (vulgarmente chamado "céu" ou "paraíso") na verdade é composto por sete planos, são sete céus. Quando chegou ao primeiro céu Gabriel disse ao porteiro "-Abre." O porteiro perguntou quem era e ele respondeu que era Gabriel e estava trazendo Maomé. A viagem prosseguiu pelos sete céus sempre com Gabriel tendo que se apresentar ao porteiro. Nota-se claramente a semelhança desse episódio com a técnica da cabala conhecida como "merkabah" na qual o praticante ascende aos planos espirituais superiores. Além de todo preparo requerido, o praticante tem que saber os nomes dos anjos específicos que guardam os portões de cada céu. Nessa viajem pelos planos espirituais superiores Maomé conheceu Adão, Esdras, Jesus, João Batista, Moisés e Abraão. As narrativas dos hadiths falam que ele os encontrou em planos diferentes além de ter visto o inferno com toda sua complexidade também. Por fim, Maomé se encontrou diretamente com Deus, recebeu instruções e ficou determinado que as cinco orações diárias seriam uma obrigação da religião muçulmana (embora haja certa flexibilidade a respeito da quinta oração que é da noite á certa hora da madrugada, essa costuma ser considerada opcional). Quando um companheiro perguntou a Maomé como era Deus, ele respondeu que era velado pela luz por isso não pôde enxergá-lo diretamente. Isso é dito na cabala, diz-se que Deus não pode ser visto diretamente por ninguém, pois, sua imagem transcende a limitada percepção da visão humana, por isso diz-se que existe um "véu" que o cobre. 
   Após todas as maravilhas que viu, Maomé retornou á Meca e contou o ocorrido a Umm Ayaman, serva de sua mãe e a quem ele tinha grande consideração. Ela lhe recomendou a não contar esse acontecido a ninguém, mas, ele considerou adequado como parte de sua missão. De volta á mesquita de Meca durante o dia, Maomé encontrou Abu Jahl que foi um grande adversário do islã nos primeiros tempos. Como era de se esperar, Abu Jahl caiu na gargalhada, pois, é absolutamente incrível que em apenas uma noite alguém viaje de Meca a Jerusalém. Então ele chamou pessoas na rua e pediu a Maomé para dizer aquilo na frente de todos. As pessoas caíram na gargalhada.
   Esse acontecimento da viajem noturna de Maomé costuma ser apontado como base de onde o escritor italiano Dante Alighieri (1265-1321) tirou inspiração para sua obra "Divina Comédia" na qual ele narra como foi guiado pelo espírito de um antigo poeta Virgílio que lhe mostrou os "nove círculos" do inferno e as punições e personagens de lá. O que é provável em relação a Dante é que sua obra tenha alguma pitada de "êxtase místico" um estado mental na qual alguns poetas e santos entram. Há uma narrativa que diz que depois de sua morte, Dante apareceu durante o sonho a um parente para lhe indicar onde estava escondido um livro e no dia seguinte a pessoa encontrou o livro no local indicado. Além dessa famosa viagem noturna, Maomé foi levado pelo anjo Gabriel outras vezes. Uma narrativa diz que certa vez Gabriel entrou em sua casa á noite quando Maomé bebia um copo d'água e ele deixou o copo cair de sua mão. Depois da experiência toda na qual foi levado aos planos superiores e pareceu ter passado várias horas lá, quando Maomé foi trazido de volta á sua casa percebeu que o copo d'água que ele tinha deixado cair ainda estava caindo e teve tempo de pega-lo antes dele cair no chão. Esse detalhe costuma ser usado pelos sufis a vertente mística do islã como exemplificação de como o tempo é relativo.