domingo, 9 de junho de 2019

A  VERDADEIRA  INICIAÇÃO

   Olá a todos! A tempos não postava nada novo por aqui, emfim encontrei tempo e conteúdo significativo pra divulgar. Nesse post vou falar sobre "iniciação" e tudo que esse termo envolve, especialmente no meio ocultista. A ideia que a maioria tem sobre "iniciação" geralmente é a imagem de um indivíduo se submetendo a um tipo de "ritual" pelo seu mestre ou iniciador, porém a verdadeira iniciação é algo muito mais amplo que isso. Na maçonaria e em outras ordens esotéricas a iniciação ocorre no início quando o adepto entra e durante as "mudanças de graus", "elevação de graus" e contam com todo paramento, encenamento e em muitos casos textos que precisam ser decorados e recitados pelos participantes. Algumas são um tipo de "interrogatório" onde o iniciador ou mestre faz as perguntas e o que está sendo iniciado tem que dar as respostas, não improvisadas, mas, já decoradas e fixas. Essas iniciações de grupos tem mais importância para o protocolo da organização a qual está afiliado nem tanto para o indivíduo, as "grandes" iniciações ocorrem a nível individual, são momentos de grande significado e marcam profundamente a consciência da pessoa que passa por essa experiencia. São momentos em que certos sentidos são estimulados a um nível muito particular criando uma lembrança única como cada ser humano com toda sua complexidade é. Depois dessa iniciação, o indivíduo passa a um novo nível e ganha algo que é imaterial mas que ele considera como extremamente valioso e que nunca daria a ninguém a não ser que passe por certos testes tamanha a importância que aquele momento teve para o indivíduo. Suponhamos que alguém ganhou grande quantidade de um produto qualquer, ele considerará aquele produto como algo banal, certo? Agora suponhamos que alguém teve que se esforçar muito para adquirir tal produto, ele considerará aquilo como muito precioso e atribuirá um valor sentimental extra não permitindo que ninguém tome tal produto dele sem esforço algum. Assim é a verdadeira iniciação, nunca é algo dado ou adquirido facilmente, e quem tem ou adquiriu nunca a entregará a outro de forma banal. 
   Embora conteúdo importante possa ser adquirido através da leitura de livros, dentro da cabala mais do que em qualquer outro segmento ocultista o ensinamento oral transmitido de mestre a discípulo é extremamente valorizado, na verdade grande parte do conteúdo cabalístico só é ensinado oralmente, o conteúdo disponível nos livros atualmente é apenas uma parte. Veja esse trecho dos comentários de Arieh Kaplan no livro Sêfer Yetsirá:

   "Naquele tempo, existia a regra de que a tradição oral fosse recapitulada exatamente, palavra por palavra, precisamente como havia sido dada. A norma era 'Alguém deve sempre repassar as palavras precisas de seu mestre'. E cada mestre proporcionaria assim um programa de estudo que seus discípulos memorizariam palavra por palavra."

   No campo das iniciações dadas por mestres nada pode ser tão particular, cada mestre sabe quem merece o quê e que tipos de informações devem ser transmitidas a cada indivíduo. Informações podem e costumam ser deturpadas e mal entendidas pela massa vulgar, por isso a restrição. O cabalista Isaac Luria escreveu pouco, seus ensinamentos eram basicamente orais transmitidos em palestras a seus discípulos, ele nunca permitiu que nenhum deles escrevesse nada dessas aulas, apenas seu principal discípulo Chaim Vital ele deu essa autorização e é a partir dos livros de Vital que os cabalistas posteriores puderam tomar conhecimento dos conceitos de Luria, o ARI. Abraham Abuláfia transmitia seus ensinamentos de forma livre restringindo o conteúdo apenas, depois observava o potencial de seus discípulos até onde eles poderiam receber mais ou se não estavam aptos. 
   Um livro ao qual eu recorro constantemente pela riqueza de conteúdo é "Reféns do Diabo" de Malachi Martin. Malachi Martin nascido em 1921 e falecido em 1999 foi um ex-padre irlandês e ex-membro da ordem jesuíta. Ele se desligou da igreja e dos jesuítas por discordar dos rumos que estavam tomando, teve conhecimentos das técnicas de exorcismo e passou a viver nos EUA se dedicando a escrever e publicar livros onde expôs tanto a ordem jesuíta quanto intrigas internas do Vaticano. A escrita de Malachi é muito rica em detalhes ao ponto dele contar minucias do passado dos indivíduos sobre os quais fala e dos momentos, uma escrita imersiva. Foto de Malachi Martin (que faleceu depois de seu último e mais complicado exorcismo):

   Como esse livro trata de exorcismo e possessões demoníacas, também acaba abarcando o que é chamado de "paranormal" de modo geral. Nem sempre Malachi fala com entendimento do assunto no livro demonstrando certa inocência quanto a assuntos paranormais, mas ele registra todos os detalhes o que dá ao bom observador/leitor material para analisar com nitidez. São alguns casos muito específicos de exorcismo que ele registrou lá, um deles envolvia um ambicioso professor de parapsicologia que tinha dons psíquicos genuínos. Esse professor, chamado no livro de Carl (embora esse não fosse seu verdadeiro nome que foi preservado obviamente) tomou contato ao acaso com um aluno de intercâmbio que era tibetano chamado no livro de Olde. Olde deu a Carl conceitos que ele não conhecia de misticismo e iniciou ele no que foi chamado no livro de "prece superior" um tipo específico de meditação transcendental no qual o praticante anula o próprio ego e entra em comunhão com o "todo" como Olde se referia ao que nós chamamos de Deus. Após Carl conseguir dominar essa técnica Olde se afastou dele, passou a ignorá-lo, a razão era que Olde não achava (e com razão) que Carl estava preparado para dar o próximo passo pois estava imerso em conceitos materialistas e errados, veja esse trecho do livro:

   "Mas Olde não queria mais saber dele. Por quê? Esta foi a pergunta de Carl a Olde enquanto caminhavam pelo campus durante as manhãs. Por quê?
   Olde dizia muito pouco. Admitia que havia introduzido Carl no Vajnavana, o 'raio', veículo do poder místico. Mas nenhuma persuasão sobre a terra poderia fazê-lo introduzir Carl mais ainda no Mantravana, veículo dos encantamentos místicos.
   -O que já fiz é o bastante- resmungou Olde. Depois, como se tivesse pensado melhor: -O que fiz já é bastante perigoso.
   Carl ainda não podia compreender. Persistiu, pedindo a Olde para explicar ou, se não pudesse explicar, pelo menos sugerir uma orientação para ele.
   Certo dia, afinal, Olde não teve mais nehuma resposta. Toda alma, disse ele, que se volta para a perfeição da Plenitude é como uma flor de lótus de pétalas fechadas no começo da sua busca. Sob a direção de um mestre ou guia, ela abre suas oito pétalas lentamente. O mestre simplesmente assisti a essa abertura. Quando as pétalas estão abertas, a minúscula urna prateada do verdadeiro conhecimento é colocada no centro da flor de lótus. E quando as pétalas se fecham outra vez, toda flor se transforma num veículo desse verdadeiro conhecimento.
   Afastando os olhos de Carl, Olde disse com voz áspera quase hostil: -A urna de prata nunca poderá ser colocada no centro da sua flor. Ela já está ocupada por uma negação automultiplicadora. (Uma pausa) -Imundície. Materialidade. Lodo. Morte.
   Carl ficou espantado, literalmente emudecido por um instante. Olde afastou-se dele, ainda sem olhar para ele. Estava a cerca de cinco passos de distância quando Carl sucumbiu. Só conseguiu proferir uma exclamação sufocada:
   -Olde! Meu amigo! Olde!
   Olde parou, de costas para Carl. Estava completamente calmo, imóvel , sem palavras. Depois Carl ouviu-o dizer numa voz baixa e não particularmente para ele:
   -Amigo é sagrado. Carl não entendeu o que ele quis dizer.
   Depois, Olde virou-se lentamente. Carl não reconheceu suas feições. Não eram mais os traços suaves do seu amigo. A testa não era mais uma extensão sem vincos como antes, seus olhos estavam brilhando como uma luz amarelada. Linhas cruéis cruzavam-se na boca e faces. Não estava com raiva. Estava hostil. Aquela imagem de Olde ficou gravada na memória de Carl. Olde disse para Carl apenas algumas palavras as quais nunca pode esquecer:
   -Você tem Yama (deus tibetano dos mortos) sem Yamantaka (deus que representa a "vitória sobre a morte"). Preto sem branco. O nada sem alguma coisa. Foi a última vez que Olde falou diretamente com Carl. 
   Quando Olde virou-se outra vez, Carl teve uma iversão súbita. Pareceu ficar absorvido por alguns instantes na "prece superior". Sua onda de frustração e raiva cedeu lugar ao desprezo e náusea por Olde. Depois quando olhou para as costas de Olde que se afastava, foi tomado por medo da advertência de Olde e do que ele representava. De alguma forma ele era o inimigo. De alguma forma ele, Carl, constituía um "nós" com mais alguém e Olde não podia pertencer a ele.
   -Inimigo! Ouviu-se, de repente, gritando para Olde.
   Olde parou, começou a virar-se, e olhou por cima do ombro para Carl. Seu rosto voltara ao seu repouso habitual. Sua testa, faces e boca estavam lisas e sem vincos. Seus olhos estavam calmos, muito abertos, apenas profundezas suaves de luz impenetrável, como eram geralmente. A compaixão atingiu Carl como um chicote. Não queria a compaixão de ninguém. Recuou um passo, quis falar, mas não conseguiu extrair qualquer palavra da garganta. Recuou outro passo, começou a se virar, depois outro passo e outra meia-volta, até ver-se literalmente se afastando. Disse consigo mesmo que havia se afastado, mas, no íntimo, sabia que tinha sido repelido, tinha sido virado e empurrado para longe."

   Olde não viu em Carl potencial para dar um próximo passo em seus estudos e práticas ocultas, achou ele despreparado. Assim se comporta o verdadeiro mestre. Há um ditado famoso: "Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece." Parece um pouco infantil e romântico, pois cada caso é um caso. No filme "A Montanha Sagrada" dirigido por Alejandro Jodorosky (esse filme mesmo repleto de simbolismos onde as iniciações surgem o tempo todo) em uma cena o mago diz ao tolo: "-É o mestre que deve fazer seu próprio discípulo." Passando por cima do conceito de "esperar" e sim "fabricar" o discípulo. 
   Por fim, cada caso é um caso, cada mestre sabe até que ponto o discípulo deve saber e de que maneira deve transmitir conteúdo. Existem também as "auto-iniciações" que cada um guarda dentro de si e pelas quais vai passando, tanto as dadas por mestres quanto as aprendidas por conta própria são tão únicas que não podem ser explicadas nem repetidas em grande escala, cada um deve encontrar a sua própria iniciação.